O samba é o ritmo brasileiro de maior reconhecimento fora do país. Nascido nas camadas pobres da sociedade, de negros e mulatos, atingiu camadas de classe média muito em virtude de sua difusão nas rádios e no Carnaval Carioca.
Após o fim da escravidão, os negros recém alforriados emergiram do campo para as cidades em busca de trabalho. Com a “falta de qualificação” para os trabalhos das cidades, uma vez que o trabalho escravo era basicamente agrícola, uma camada de extrema pobreza foi se formando nas capitais e centros urbanos.
No Rio de Janeiro, o aumento populacional, com a emigração de escravos oriundos do Nordeste, especialmente da Bahia, gerou a busca por moradias alternativas nos morros, que hoje são conhecidas como favelas.
Segundo DINIZ, 2012, a população de negros no Rio de Janeiro em meados do século XIX chegava a 50%. Com a modernização dos centros urbanos, essa camada da população marginalizada foi sendo “empurrada” das áreas nobres, que deram lugar às avenidas, praças, cafés e teatros. Foi nesse ambiente de pobreza capital e riqueza cultural que o samba teve seu berço.
As primeiras experiências musicais no cenário da Cidade Maravilhosa deram origem a este ritmo (samba), o primeiro a obter unanimidade no gosto nacional, tornando-se a expressão da alma brasileira. Saído dos morros, das áreas informais e marginalizadas da cidade é levado até a zona urbana formal pelas mãos das Escolas de Samba. (MARKMAN, 2007 p. 99)
Segundo TINHORÃO, 2010, citando Getúlio Marinho, a princípio o ritmo de samba era conhecido como “chula”. Assim como acontecia ao lundu, como vimos anteriormente, a chula era representada nos circos pelos palhaços, o que nos leva a crer que uma descende da outra.
Haviam ainda, segundo o autor, três tipos distintos de chulas. Uma que seria cantada pelos palhaços de circo, as chulas de palhaços de guizos, que saía em cordões de velho, e a chula raiada, que é o samba de partido alto. A chula raiada era acompanhada de violão, flauta, cavaquinho, prato raspado com faca, pandeiro e palmas.
TINHORÃO (ibid) cita trechos de entrevista de João Machado Guedes, o “João da Baiana”, um dos pioneiros do samba carioca. Nele, João da Baiana cita que o samba de partido alto era entoado por uma única pessoa, enquanto o samba corrido era repetido no estilo estrofe-refrão, cantado e repetido pelos participantes.
Antes de falá samba, a gente falava chula. Chula era qualquer verso cantado. Por exemplo. Os verso que os palhaço cantava era chula de palhaço. Os que saía vestido de palhaço nos cordão de velho tinha as chula de palhaço de guizo. Agora, tinha a chula raiada, que era o samba do partido alto. Podia chamá chula raiada ou samba raiado. Era a mesma coisa. Tudo era samba do partido alto (...) O partido alto era o rei dos sambas. Podia dançar uma pessoa só de cada vez. O acompanhamento era com palmas, cavaquinho, pandeiro e violão, e não cantava todo mundo. No samba corrido todo mundo samba e todo mundo canta." (TINHORÃO apud JOÀO DA BAIANA, 2010, p. 280-281)
João da Baiana foi um carioca, filho de baianos, de grande importância para a história do samba carioca. DINIZ (ibid) cita Martinho da Villa ao colocar João da Baiana na “santíssima trindade da música brasileira”, ao lado de Donga e Pixinguinha.
O samba, muito provavelmente, se originou na Bahia, sendo levado ao Rio de Janeiro com a chegada de ex-escravos à recém coroada capital do Brasil, com a Proclamação da República em 1889. Teria então se unido aos gêneros de modinha, lundu e maxixe, formando o que hoje conhecemos como samba.
As mulheres baianas exerciam grande influência nas comunidade. Muitos sambas se originaram em reuniões promovidas pelas “tias” baianas, como eram tratadas pela população. Destaca-se a figura de Tia Ciata, ou Hilária Batista de Almeida, baiana de Santo Amaro da Purificação, como relata DINIZ, 2012.
Esse tratamento de tias para as mulheres que se salientavam aos olhos da comunidade pela maior experiência resultante da idade, ou pelo sucesso financeiro pessoal (o que as credenciava a proteger os recém-chegados, órfãos da vizinhança, e a promover festas em suas amplas casas), constituía uma sobrevivência cultural africana, onde na ordem familiar matrilinear o papel das irmãs é tão importante que os sobrinhos aparecem quase como filhos. (TINHORÃO, 2010, p. 292)
O primeiro samba gravado intitula-se “Pelo Telefone”. A gravação data de 1917 e é atribuída ao compositor Donga em parceria com Mauro de Almeida (DINIZ, 2012) tendo sido cantada por Bahiano.
A autoria, no entanto é disputada por outros compositores. É certo que, nesta época, não havia ainda o costume de registrar as composições. Donga foi um dos pioneiros nesta área, registrando suas composições na Biblioteca Nacional.
É justamente em meio a um caloroso debate autoral que surge para a história do samba a figura do compositor Ernesto dos Santos, mais conhecido como Donga. Em 1916, ele registrou na Biblioteca Nacional a música "Pelo Telefone", feita em parceria com Mauro de Almeida, jornalista conhecido como "Peru dos Pés Frios". O samba carnavalesco, nome que Donga e Mauro deram à sua composição entrou para a história como o precursor do gênero.(DINIZ, 2012, p. 34)
Por serem seus autores, em sua maioria, descendentes de escravos e oriundos das camadas baixas da população, as letras das canções continham forte apelo político, citando as condições da sociedade de baixa renda.
Nessa época, ainda segundo MARKMAN (ibid), surge a figura do malandro carioca, personagem que se torna ícone do samba. O malandro é uma pessoa que não possui um trabalho fixo e que viveria de farra. Uma crítica sutil pois, na realidade, os descendentes de escravos tornavam-se desempregados crônicos pela dificuldade em serem agregados ao mercado de trabalho das cidades. A sobrevivência dessa parcela da sociedade era, muitas vezes, em trabalhos alternativos e muitas vezes contra as leis. Já a imagem de festeiro, deve-se a característica típica dos descendentes de africanos, que costumam utilizar a música e a dança como forma de expressão. A cultura à serviço das manifestações sociais e políticas.
A proximidade com a zona de prostituição do Mangue, porém, atraía para os seus muitos bares nas vizinhanças do Largo do Estácio os bambas da zona, isto é, os tipos especiais de empresários que viviam - graças a seus de esperteza e valentia - da exploração do jogo ou das mulheres. Esse tipo de personagem, à época também conhecido por bambambã - e na linguagem da imprensa chamado de malandro -, constituía na realidade produto da estrutura econômico incapaz de absorver toda a mão de obra que nessa área urbana crítica se acumulava.(TINHORÃO, 2010, p 306)
A consolidação definitiva do samba acontece com a crescente força e impacto das transmissões de rádio. A transmissão inaugural do rádio no Brasil ocorreu em 7 de setembro de 1922, em virtude das comemorações do centenário da Independência do Brasil.
Coube ao presidente Epitácio Pessoa a responsabilidade de se tornar a primeira voz a ser transmitida pelas ondas radiofônicas, como afirma DINIZ (2012).
Na primeira década, as estações de rádio eram muito precárias e o alto custo dos aparelhos dificultava o alcance do mesmo para a população, que acabava se beneficiando das transmissões em praças públicas. Porém, na década de 30, em especial após a instauração do Estado Novo de Getúlio Vargas, as rádios foram se tornando cada vez mais populares.
Em 1936, entra no ar a Rádio Nacional, no Rio de Janeiro. Caracterizada pelo grande alcance e por um caráter mais profissional, a Rádio Nacional vem a popularizar ainda mais o rádio, tornando-o veículo de massa.
Com o início da ditadura Vargas (1937-1945), as transmissões das rádios tendiam a possuir um caráter nacionalista e de exaltação do governo. Dessa forma, as produções musicais, incluindo os sambas, possuíam letras em tom mais militar e propagandista.
O governo autoritário do Estado Novo, instaurado em 1935, na tentativa de eliminar ou minimizar suas ações autoritárias, passa a instrumentalizar a música popular. As letras dos sambas mostravam a figura de Getúlio Vargas como herói. Entretanto, a propaganda nacionalista e a indução oficial produziram um efeito inesperado na música popular: os sambas de Carnaval, as marchinhas carnavalescas, elementos sonoros que as escolas de samba utilizam para desfilar, adotaram um tom apologético e triunfalista próprio de uma marcha militar. Este mesmo tom é aplicado às canções populares. Um exemplo significativo é a músico "Aquerela do Brasil", de Ary Barroso, conhecida mundialmente como um símbolo musical de nossa nacionalidade (MARKMAN apud ALVARENGA, 2007, p. 100)
O samba então, passa a se dividir mais uma vez. O samba das rádios e das gravações em vinil passam a ser orquestrados, para alcançar uma parcela de classe média e média-alta da sociedade, sofrendo influências da música americana de jazz. Nos morros, em particular na comunidade do Estácio, o samba mais marcado pelo surdo, dará origem aos samba-enredos, popularizados na década de 40 em seguinte pelos desfiles das Escolas de Samba, ligando o gênero ao Carnaval e tornando esta uma música com época específica para sua comercialização.
A influência do choro se torna definitiva neste samba orquestrado. Compositores famosos de choro, como no caso de Pixinguinha, são contratados para rearranjar o instrumental dessas composições. Surge daí o samba-choro.
... era o casamento da tradição do choro da pequena classe média com o samba das classes baixas, Um casamento musical que se revelaria por sinal muito fecundo porque, como ainda naquela virada dos anos 30 se comprovaria - e desde os tempos do choro se antecipava -, pela valorização da melodia, os conjuntos regionais podiam chegar ao samba-canção, e pela mistura do fraseado do choro e o apoio ritmico do acompanhamento do samba, ao samba-choro e ao samba de breque (na verdade, o samba-choro quebrado a espaços por paradas súbitas, a que se interpolavam palavras isoladas e até frases inteiras, aproveitando os intervalos rítmicos). (TINHORÃO, 2010, p. 312)
O samba orquestrado virou produto tipo exportação, alcançando, inclusive, o países como os Estados Unidos. Encantados com a exuberância de Carmen Miranda, executivos da Broadway levam-na para o país e, em pouco tempo, a “pequena notável” alcança fama em Hollywood. Toda a iniciativa foi patrocinada pelo governo Vargas.
Walt Disney também se encanta com o samba carioca e cria um personagem, o Zé Carioca, bem ao estilo malandro já característico da população do Rio de Janeiro dos anos 30-40.
Já o samba nascido na Estácio irá ganhar corpo com a formalização das Escolas de Samba, que irão fixar este gênero com o carnaval. O “surdo de marcação” irá dar identidade ao novo samba das escolas.
Essa nova forma do samba urbano - daí em diante conhecido como samba carioca - afastou-se definitivamente do velho modelo do partido alto dos baianos quando, pela necessidade de propiciar o andamento mais solto, pelas ruas, da massa dos foliões comprimidos dentro das cordas de segurança, que limitavam a área dos blocos e escolas, a turma do Estácio (por iniciativa de Alcebíades Barcelos, o Bide, segundo consta) introduziu na seção de pancadaria o surdo de marcação. O som desse tambor encarregado de fazer prevalecer o tempo forte do 2/4, como que empurrava de fato o samba para a frente - tal como reivindicava para o estilo o pioneiro do Estácio Ismael Silva -, mas, ao mesmo tempo, por oposição ao movimento algo em volteios do partido alto (que neste ponto se aproximava do maxixe), levava ao risco de simplificação ao nível da marcha, ao acelerar-se o ritmo.(TINHORÃO. 2010, p. 308-309)
O concurso dos desfiles de escola de samba foi-se ampliando pelas décadas de 40-50, tornando esse gênero cada vez mais identificado com o carnaval e desligando-o de outras manifestações populares.
Por volta de 1980 o samba volta aos palcos com uma nova denominação “pagode”. A origem do nome pagode, na realidade, remonta aos tempos das festas da tia Ciata. Era uma forma íntima de se chamar o samba, ou a reunião do samba.
Os sambistas cariocas, desde os tempos de tia Ciata, falavam em pagode para caracterizar o samba de forma íntima, carinhosa. Assim, samba e pagode eram uma coisa só, uma festa, onde as pessoas se reuniam para comer, beber, dançar, cantar e quem sabe, paquerar. (DINIZ, 2012, p. 209)
O nome pagode passou a definir o samba feito nas rodas, em especial do bloco carnavalesco Cacique de Ramos, segundo DINIZ (ibid), embora não se sabe ao certo quando o estilo, e não a festa, passou a ser chamado por tal nome.
Dentre os principais compositores de samba temos Noel Rosa, Sinhô e Donga na primeira fase; Ary Barroso, Pixinguinha, Adoniran Barbosa, Dorival Caymmi, Cartola à partir de 1940-50; Zeca Pagodinho, Martinho da Vila, João Nogueira, etc, já com a denominação de pagode.
Referências
MARKMAN, Rejane Sá. Música e simbolização. Manguebeat: contracultura em sua versão cabocla. São Paulo. Annablume, 2007.
TINHORÃO, José Ramos. História social da música popular brasileira. São Paulo, de. 34. 2010. 2 ª edicao.
DINIZ, André. Almanaque do Samba: a história do samba, o que ouvir, o que ler, onde curtir. Rio de Janeiro: Zahar, 2012.
Parceiro: Casa da Musika